Tita bem criança, ainda nem sabia ler, mas já se via às voltas com as letras. Pequenas letras lhe pareciam grandes enigmas. O que significaria cada uma delas? E o que significariam quando se juntassem? Tita não sabia, mas sentia!
Quando a vida se tornava muito sofrida, Tita corria para suas letrinhas e ia se distraindo combinando umas com as outras. Quando a vida parecia impossível, a mãe de Tita, a seu pedido, fazia uma deliciosa sopa de letrinhas e, mais uma vez, lá ia Tita se distraindo da dureza dessa vida malvada comendo as letrinhas. A menina pensava: “se eu comer um A e na mesma colherada comer um R, um M e um O, que palavra irá se formar dentro da minha barriga?”
E foi assim, devorando letrinhas que escreviam sabe-se lá o quê na sua barriga, que Tita foi crescendo.
A vida é engraçada… parece que quando a gente cresce a dor da gente cresce junto, mas a felicidade continua infanta, miúda! Mas pelo menos assim, crescida e letrada, Tita já sabia ler e escrever muito bem. Logo, logo, a sopa de letrinhas foi dando espaço para os cadernos. Escrever em papel é bom, mas definitivamente nunca terá o sabor da escrita enigmática da sopa de letrinhas.
As letrinhas viraram algo como um ritual de purificação, um remédio para todos os males, substitutas de anjo da guarda… Tita se salvava, se salvava apenas pelas letrinhas. Ai ai, pensava Tita, se um dia se acabarem as letrinhas também se acabará meu alento.
Por sorte as letrinhas, depois de aprendidas, nunca se acabarão. A escrita pode ser no papel, no quadro, riscada na areia, com carvão na calçada, ou até mesmo só registrada lá, no pensamento, mas nunca se acaba. Apesar disso, as coisas mudaram… e como! Na ingenuidade da infância, Tita devorava as letrinhas, sentia um quentinho ali, na barriga, e parecia que um milagre se fazia, e findava-se toda a dor, todo o sofrimento que a menina sentia. Ai ai… quando a gente vai crescendo, e vai aprendendo a ler e a escrever, as letrinhas da sopa vão perdendo seus poderes mágicos. Quanto mais aprendidos ficamos, menos ingênuos somos e menor poder de alívio tem as letrinhas da sopa.
Tita hoje está muito crescida! Ficou bem grandona no tamanho! E escreve demais da conta! Não há papel que chegue para tanta letra junta! … mas… nem mesmo se Tita conseguisse escrever num papel de rolo que desse 10 voltas ao redor do mundo, o milagre se repetiria. Acabou, Tita! Hora de conformar-se! O sofrimento e a dor estão aí… e deles você não vai se livrar! Gente grande só se livra do sofrimento quando segura a mão da morte e se vai! Porém, quando deixa família, o sofrimento que não se foi, fica de herança! O sofredor, já não vive para sofrer, mas o sofrimento está bem vivinho da silva naqueles que o perderam! Ai, que dor!
É isso aí menina, não há o que fazer! Compre lá seu macarrão de letrinhas e se distraia na cozinha, porque livrar-se da dor você só vai quando também segurar na mão da morte e se for. Ah, e nem pense em ir atrás da sinistra antes de sua hora, porque o sofrimento que lhe atormenta vai ficar aqui e vai atormentar todos que te amaram.
Escreva Tita, escreva… enquanto puder, já que a dor é tão grande, pelo menos escreva! Essas letrinhas não lhe fazem promessa, delas nenhuma mágica você irá obter, mas elas vão te engolir, da mesma forma como você fazia com a sopa de letrinhas, e uma vez engolida você não estará protegida, mas estará muito linda com um monte de letrinhas lhe enfeitando os cabelos. Eu sinto muito por ti, Tita, mas não há o que possa ser feito! Então faça o que pode, escreva Tita, escreva.. enquanto espera a sua hora, escreva.
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